quinta-feira, 2 de agosto de 2007

A noite perfeita

Estamos no ônibus, voltando para casa. São quase onze horas da noite. De repente recebo uma ligação. Um imprevisto. Uma amiga da minha mãe precisa de ajuda. Ela não vai dormir em casa, mas receberá uma visita pela manhã. Se posso dormir lá e receber a visita? Claro, por que não? Olho para ela e lhe digo que preciso dormir na casa da minha mãe. A casa está vazia. Dormirei lá sozinho. A não ser que ela me acompanhe. Após exitar por um instante ela recusa. Pensa nos pais.
Desço do ônibus. Consideravelmente chateado pela sua recusa. Há muitos dias nós não passamos algum tempo sozinhos. Ela prefere ir para casa e dormir sozinha a inventar uma desculpa para os pais e dormir comigo. Chego na casa de minha mãe. Estou ainda mais chateado. Afundo no sofá. Me pergunto por que ela não faz mais questão de ficar comigo... Me sinto mal... Frustrado... Incapaz de provocar desejo... Orgulho masculino aos pedaços...
O telefone toca. É ela. Está entristecida. A preocupação com ela coloca minha frustração em segundo plano e eu me sinto melhor. Após algum tempo diz que preferiria ter ficado comigo... Ela não faz idéia do quanto eu concordo com ela. Passam se mais alguns minutos. Ela continua dizendo que queria ter ficado comigo. É quase meia-noite. Então ela começa a dizer que não quer ficar em casa. Num impulso combinamos que eu sairia na rua atrás de um táxi enquanto ela inventaria uma desculpa para os pais, antes tarde do que nunca. Eu acho o táxi. A desculpa funciona. De madrugada vou buscá-la em casa. Ela sorri ao me ver. Me abraça. Me beija. Voltamos à casa de minha mãe. Eu pago a corrida. Com o dinheiro dela. Que eu terei que devolver. Chegamos à casa de minha mãe e depois da nossa aventura noturna, estamos sozinhos. Enfim sós. Então a noite perfeita realmente começa.
Nos beijamos. Nos acariciamos. Rimos juntos um do outro. Como há tempos não fazíamos. Eu a levo para cama. Ela demonstra o desejo que anteriormente eu pensei que não provocava. E demonstra intensamente. Nada de frustração ou orgulho ferido... Apenas nós dois, sozinhos. Tudo é perfeito. Saímos no meio da madrugada, ela convenceu os pais... Após uma conversa de telefone. Tão natural, tão impulsivo. Perfeito. Nunca mais aconteceria algo assim. Essa é nossa noite. E na nossa noite nós nos amamos. Como nunca havíamos feito. E no fim da noite quando ela está sorrindo exausta com a cabeça aninhada no meu peito. A uma frase implícita. Essa noite... Foi perfeita.
Então me lembro de uma outra noite, uma noite que deveria ter sido perfeita... Arruinada. Um jovem casal apaixonado. Feliz por estarem juntos, depois da corrida de táxi de madrugada. Mas, então quando chegam à casa... Ele começa a acariciá-la, ela liga TV. Ele entende que ela quer ver TV... Ela queria ver TV, mas também queria o carinho. Ela trouxe algo para comerem. Ele prepara a comida. Pensa que nesse instante ela só quer comer e ver TV. Ela já está impaciente com a falta de ação por parte dele. Paciência nunca fora seu forte. Eles vão para o quarto. Continuam a ver TV. O programa acaba. Ele coloca as mãos na cintura dela e a olha desejoso. Ela assiste ao filme que acabara de começar. Ele já está frustrado. “Por que ela não me deseja? Não sou homem suficiente para provocar desejo? Por que ela não quer ficar comigo?” Ela já está irritada. “Eu quero ficar com ele. Por que ele não faz nada? Por que ele é tão omisso?” O tempo passa... Cada um entregue aos seus próprios pensamentos e angustias divergentes... Desligam a TV. Desligam a luz. Ela está extremamente irritada. Veio da sua casa até ali, para ter uma noite perfeita e ele não fez nada. Ele está extremamente frustrado. Saiu de madrugada para buscá-la, para que pudessem ter uma noite perfeita, mas ela não quis. A noite não é mais perfeita, está prestes a se tornar exatamente o oposto. Ele não consegue lidar com a rejeição imaginaria. A questiona porque ela não vai ficar com ele. Pergunta a ela porque ela vai dormir. Ela já está zangada e com sono, quer apenas dormir. Ele começa a falar mais alto... Ela não gosta... Ele a abraça de um jeito mais forte. Dói. Ela sai do quarto. Deita no sofá. Ele lhe diz que saia do sofá. Ela não sai. Ele perde o controle e a tira a força do sofá. Começam a brigar. Ambos inconformados com a noite que deveria ter sido perfeita... Ambos cheios de raiva... Ela dorme na cama ele no sofá. Ela acaba o relacionamento deles na manhã seguinte. Por causa de uma omissão que ele irá negar até a morte. Porque para ele não ocorreu. Acaba... Acaba por que? Por causa de uma série de desencontros... Por causa de pequenas coisas... Dois amantes estão separados... Deus não deveria permitir que o destino fizesse coisa tão cruel. Haverá maldade maior que separar duas pessoas apaixonadas?
É então que eu abro os olhos, saindo do devaneio e encarando a realidade. Estou no dia seguinte à noite perfeita. A noite que deveria ter sido perfeita... Mas, não foi. A lembrança do que poderia ter sido me aperta o coração. Meu peito dói muito. Meus olhos enchem d’água. É realmente triste a história do jovem casal. Ela... É a mulher que eu amo. E ele... Ele sou eu. E o começo... É o que poderia ter sido. E eu sofro... Sofro pela noite que passou... Sofro pelo relacionamento com a mulher que amo que acabou. Choro... Um choro fraco... A lágrima vai descendo devagar e tenho a impressão que meu coração vai queimando enquanto ela desce. Eu a amo mais do que tudo. O que farei da minha vida sem ela?
Após o desespero, reajo. Ainda sinto a culpa... Ainda não consigo lembrar daquela noite sem me sentir mal... Ainda dói. Mas, eu a amo. A quero comigo. Então farei por merecer. Imediatamente começo a fazer tudo que estava adiando. Um novo animo me invade... Animo para resolver meus problemas com meus amigos, minha família, minha profissão, meus próprios problemas. Animo para me tornar um homem que a mereça. Animo para fazer com que possa existir outra noite que possa ser perfeita ou até mais perfeita. Talvez tenha sido necessário. Uma noite perfeita em troca de um relacionamento mais forte, mais feliz... É uma troca justa. Porém pode ser que não volte a existir um relacionamento... Mas, qual seria o sentido de tudo? Porque a vida teria me ensinado sobre mulheres se não fosse para ficar ao lado de uma no final? E para mim só existe uma mulher no mundo... A não ser que Deus faça uma alma gêmea para mim e a coloque na minha frente, coisa que eu duvido, pois não creio ser tão importante, ela será a única mulher para mim. Poderia ter sido uma noite perfeita... Uma cena de filme... Mas, eu deveria ter desconfiado. Nada acontece entre a gente como se fosse num filme. É tudo diferente, inusitado, imprevisível... E é por isso mesmo que nossa história daria um filme tão bom.
Olho para ela... Ela não está comigo. Depois de tudo estamos separados. Mas, ainda há tempo... Ainda de tempo de correr atrás... Ainda não é o final da história. Enquanto eu e ela estivermos vivos, porém separados ou até mesmo juntos, porém sem estarmos realmente felizes... Ainda não é o final da história.

Nenhum comentário: